sábado, 15 de agosto de 2015

Novo disco de Emicida mostra que a África está aqui


Em tempos de discursos estranhos sobre redução da maioridade penal, racismo e segregação social, a voz de Emicida contempla o que há de mais bonito na arte: fazer a realidade ser sentida na pele. Produzido a partir de sua vivência nos guetos e da viagem por alguns países da África, "Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa" é o retrato marginal de uma sociedade que ainda cultiva raízes do preconceito.

Com 14 faixas, o álbum, de fato, nasce com a alma de Leandro (nome de batismo do Emicida) e a voz de sua mãe, Dona Jacira. "Mãe" é uma daquelas canções que você digere com o coração pesado ao ver a luta de uma mulher preta, o Deus na vida de muitas crianças da favela. Falando de "preto pra preto", Emicida se confirma como o grande nome do rap e hip-hop nacional em músicas como "Boa Esperança" e "Mandume". Enquanto a primeira desenha o cenário da luta de classes e os estigmas sociais da pele negra que perdura, "Mandume" é o grito de quem cansou de abaixar a cabeça.

Em meio a referências que vão da história à cultura pop, Emicida vai além do que se espera. De forma sensível, o curto poema "Amoras" é a metáfora para o reconhecimento da identidade negra. Na sequência, "Mufete" celebra a cultura africana e sua riqueza religiosa. As duas faixas apostam no retrato da criança, a esperança de uma África melhor - que deve ser entedida de uma forma maior que a explicada pela geografia.

A escolha dos convidados mais conhecidos na cena musical não poderia ser mais acertada. A descrição da Bahia e sua formação cultural negra cabem bem na melodia malemolente de "Baiana", faixa dividida com o mestre Caetano Veloso. Com influência do reggae e participação de Vanessa da Mata, "Passarinhos" é a melhor tradução da esperança. Entre "voos cansativos" e "machucados após tantos crivos", não é que ainda existe disposição para encontrar conforto em algum ninho por aí?

"Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa" é a cara de um Brasil que não tem voz na maior parte dos discos produzidos por aí. Emicida acerta mais uma vez e entrega uma obra que não será entendida de uma vez; ela se revela com o tempo e, sobretudo, quando os olhos estão realmente abertos.

Mais ouvidas: "Passarinhos", "Baiana" e "Mufete"

Veja o clipe de "Passarinhos"


Ouça "Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa"

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